terça-feira, 6 de outubro de 2009

Trabalho extra...

Hoje fiquei com um dos meninos do projeto para conversar. Ele não está muito empenhado em vir à escola no fim-de-semana, e como não sabe ler, tem um péssimo comportamento em sala de aula, causando mesmo problemas gravíssimos à turma e além dela! Então resolvi ter uma conversa particular e mostrar-lhe que o resultado da experiência pode surpreendê-lo.
Não sou alfabetizadora. Minha formação é de Língua Portuguesa, mas sem nenhum conhecimento de alfabetização além da leitura de alguns - esporádicos - textos teóricos.
Pedi para ver seu caderno e, surpresa, percebi que a última aula de História estava em dia, com texto copiado e o início das perguntas do livro também! Pedi que começasse a ler o texto para que eu discutisse e explicasse seu conteúdo, vocabulário desconhecido etc..
O menino ficou olhando para o caderno absulutamente mudo! Perguntei então se ele não conseguia ler e ele, cobrindo o rosto, fez que ia chorar! Francamente, pela experiência que tenho no trato com ele, não acreditei nas suas lágrimas. Todas as vezes que tivemos problemas, ao ser cobrado ele chorou e contou mentiras tentando livrar-se da culpa e das cobranças dos pais.
Mas que ele não conseguiria realmente entender o que estava escrito ali era, sim, uma certeza para mim!
Mandei fechar o caderno, guardar o livro e me esperar.
Abri o CD que estava no PC da sala dos professores sendo usado por uma professora e procurei uma atividade do 1o.ciclo (o menino é do 6o. ano!). Olhei, olhei, olhei, mas, a princípio, não encontrei nada que pudesse ser feito com autonomia pelo pequeno. E aí?
Aí pensei em começar pelo alfabeto. Fiz as letras maiúscula em bastão e pedi que copiasse do Dicionário Infantil Aurelinho (distribuído pelo PNLD às Salas de Leitura) e escolhesse três palavras para cada letra.
Algum tempo depois a folha estava toda feita.
Após o recreio, com mais tranquilidade, sentei o menino ao meu lado e pedi que lesse as palavras que tinha copiado. Aí começaram as dificuldades e minha avaliação do que era ou não capaz de reconhecer.
Fiz com que percebesse diferenças de sons da mesma letra em função da sílaba, dígrafos, terminação verbal (uma dificuldade imensa, já que essa história de desinência verbal _r é um mistério insondável!)... Enfim: ler foi uma aventura, um desbravar de florestas insondáveis!

"Lá pelas tantas, chegamos ao T". E à tábua.
- O que é tábua ?
- Um pedaço de madeira, de "pau"...
- Tábua? Não é tauba ?
- NÃO! É tábua!

(Cara de espanto!)

- Mas a tauba de passar é tauba!
-NÃO! É tábua também!!
- É SIM!
-NÃO, não é...

(Nova cara de espanto!)

- Então eu posso falar para a minha mãe que é TÁBUA?
- Claro que pode! É tábua mesmo!!!"


Parece texto de Millor Fernandes ou Luís Fernando Veríssimo, mas não é. Foi hoje. Lá na minha escola, com um aluno de 6o. ano, que está tendo oportunidade de aprender a ler aos 12 anos.

Tempo acabado, o menino saiu perguntando se amanhã eu vou ficar com ele para ensinar ele a ler novamente.

Não. Não vou. Aliás, dificilmente eu irei. Mas que dá vontade de ficar com cada um deles o dia todo, dá!

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